Reencontro com o Egito |
O que muda quando voltamos ao mesmo lugar com outros olhos
Minha primeira viagem ao Egito foi em 2021, logo após a pandemia. Naquele momento, era um dos poucos países abertos ao turismo — e também minha primeira jornada longa depois de muito tempo. Eu queria muito estar ali, mas confesso: não foi fácil começar.
Um começo caótico (e inesquecível)
Logo na chegada, o impacto: testes de COVID, passaportes retidos, burocracia confusa no aeroporto, guias apressados, trânsito enlouquecido — com crianças sentadas no colo do motorista… E o calor seco, a poeira suspensa no ar, tudo passando num ritmo quase impossível de acompanhar.
Mas então, você avista as pirâmides.
Gigantescas. Silenciosas. Imponentes.
E, de repente, todo o caos faz sentido.
Diante delas, não há explicação possível.
Um passeio pelo tempo
Você monta num camelo em meio à poeira, ouve vozes por todos os lados — e, mesmo assim, se diverte. A sensação de quase cair quando o animal se levanta vira riso logo depois. E aí você entende por que as especiarias que chegavam à Europa custavam tanto: se andar de camelo já é um desafio, imagine as caravanas que cruzavam o deserto.
Depois veio o Nilo. A embarcação deslizava devagar entre o verde estreito das margens e a vastidão do deserto. Visitamos templos quase vazios — um privilégio raro. Em Abu Simbel, Luxor, Aswan… muitas vezes, éramos os únicos visitantes.
Voltar com mais gerações — e novos significados
Naquela primeira viagem, saí encantada — e exausta. O Egito me marcou. Pela grandiosidade, claro, mas também pela burocracia, pela “polícia do turista” que mais atrapalha do que ajuda. Pensei que só voltaria um dia para mostrar tudo aquilo aos meus filhos. E imaginei que isso levaria tempo.
Mas este ano, voltamos. Com quatro gerações.
Ver meu filho mais velho entusiasmado antes mesmo de embarcarmos (ele estudava sobre o Egito na escola) foi mágico. Ouvi-lo conversando com o guia, cheio de perguntas, me lembrou de mim na idade dele — mas com uma diferença: ele teria o privilégio de ver com os próprios olhos.
Quando o olhar se amplia
Vivemos momentos inesquecíveis. Mas também enfrentamos desafios. Viajar com alguém com cadeira de rodas, além do meu filho menor ainda no carrinho, revelou uma realidade dura: o Egito é inacessível.
Degraus irregulares. Ausência de rampas. Falta de pisos adequados.
Não há estrutura para acolher quem tem qualquer tipo de dificuldade de mobilidade.
Essa percepção me tocou profundamente.
Na primeira visita, talvez por estar sozinha, isso não ficou tão evidente.
Agora, ficou impossível ignorar.
O que permanece
As estruturas milenares continuam lá, imponentes. Mas precisam de cuidado.
É impossível não comparar a conservação do Obelisco de Luxor em Paris com seu par que permanece em Luxor — e ver como o tempo exige manutenção.
Essa segunda viagem me ensinou que revisitar um lugar pode ser ainda mais transformador do que conhecê-lo pela primeira vez.
Porque a forma como vivemos um lugar muda tudo.
E no Egito, onde o tempo se estende por milênios, compreendi algo essencial:
Preservar a história também é olhar para o presente.
Acessibilidade não é detalhe.
É respeito. É inclusão.
E de nada adianta celebrarmos o que atravessa séculos, se nem todos podem vivê-lo plenamente.