Sobre ensinamentos nos Alpes
A primeira vez que levei meus filhos para a Suíça, terra da minha avó, imaginei que seria recebida como nas lembranças da infância. Esperava sentir o calor do colo dela, o aconchego das suas palavras com aquele sotaque que nunca saiu da minha memória.
Mas a vida raramente segue o roteiro que criamos para ela.
A Suíça me recebeu com um atendente ríspido na locadora, uma tempestade na autoestrada e um ônibus surgindo de frente na subida estreita da montanha, onde, sem perceber, eu havia entrado na contramão. Dei ré numa curva à noite, em uma montanha que eu não conhecia, dirigindo um carro enorme. Passado o susto e desafio, chegamos na cidadezinha e para completar, sem encontrar o apartamento que tinha alugado, passamos a primeira noite num hotel.
Depois de colocá-los para dormir, a pergunta veio silenciosa:
Por que tudo começou assim?
Com os dias, notei que cada manhã era coberta por uma neblina espessa. O clima mudava sem pedir licença. O tempo seguia seu próprio ritmo. E eu fui percebendo, pouco a pouco, que não era sobre o clima da montanha estar contra mim… era sobre eu aprender a me alinhar com o que surgia.
No primeiro dia de escola, houve choro. E resistência. Nada como eu havia imaginado.
Mas a tarde chegou, o céu abriu, o sol apareceu. E, com ele, o sorriso enorme do meu filho quando fui buscá-lo.
Ali, comecei a perceber o movimento da vida acontecendo como é: imprevisível, exigente, generoso.
Com o tempo, compreendi que a montanha me ensinava pela sua própria natureza.
E, ao lidar com o que ela era, eu aprendia sobre mim.
Aprendi que toda subida exige atenção.
Que cada curva estreita pede foco.
Que o nevoeiro que encobre o caminho não é um inimigo, mas um convite para ir mais devagar, confiar mais, respirar mais.
E não foi apenas a montanha que me ensinou.
Certa manhã, acordei com chuva no dia do passeio de bicicleta. Liguei para a instrutora quase certa de que remarcaríamos. Ela respondeu, serena:
“Use casaco impermeável. Te vejo no horário combinado.”
E fomos.
O dia que começou cinza tornou-se um dos mais bonitos da viagem. Percebi ali que as pessoas deste lugar não esperam o cenário perfeito. Elas apenas seguem. Se adaptam. Acolhem o imprevisto como parte natural do caminho.
Enquanto eu ainda buscava as condições ideais, elas me mostravam que há sabedoria no que é para nós, às vezes, imperfeito.
Fui ajustando meus rituais.
Meus horários.
Meu olhar.
Aos poucos, vencemos medos, superamos desafios, amadurecemos.
Ao final das três semanas, partimos saudosos, com vontade de voltar.
E voltamos.
Desta vez, subi a montanha com mais segurança, sabendo onde reduzir, onde avançar, onde respirar. A cidadezinha me recebeu com céu limpo e dias quentes.
Foi ali que senti, com o coração calmo, o abraço silencioso da minha avó.
E ouvir meu filho dizer “Mainha, chegar aqui me faz sentir tão bem” fez tudo se encaixar. Ele também reconhecia o sabor da superação. Ele também crescia.
A Suíça desafia meus filhos.
E me desafia também.
Os tira da zona de conforto, revela outras rotinas, outra escola, outros amigos, outras línguas.
E, principalmente, me ensina a deixá-los ir um pouco mais longe, mesmo que o coração aperte, como quando deixei um menino de cinco anos subir num trem de cremalheira com sua bicicleta, mochila e capacete ao lado de uma instrutora que falava outro idioma.
Aqui, todos estamos aprendendo a olhar para a vida como ela se desenrola.
Com o tempo que cada coisa pede. Com os desafios que aparecem.
Com o caminho que cada um percorre.
Com o ritmo da montanha, que não promete nada, mas mostra tudo.
E, talvez, esse seja o ensinamento mais precioso:
não é o tempo da montanha que muda, somos nós.
